No âmbito de uma disciplina de Mestrado,
elaborei o texto que aqui dou como reproduzido. Gostaría de saber a V. opinião,
estarei a ser demasiado radical? Estarei a esquecer os Direitos Humanos? Será
esta ideia demasiado disparatada? Aguardo serenamente os v. comentários e as
vossas críticas…
Recensão Crítica ao livro:
VALENTE, Manuel Monteiro Guedes – Direito
Penal do Inimigo e o Terrorismo. Coimbra: Almedina, Junho 2010. ISBN
978-972-40-4273-2
Recensão
elaborada por Leonel Madaíl dos Santos, mestrando em Direito, Ciências
Jurídico-Criminais na Universidade Autónoma de Lisboa, no âmbito da disciplina
de Teoria da Investigação Criminal, madaildossantos_UAL@Hotmail.com, em Janeiro
de 2011
Sendo esta uma recensão crítica
acerca do livro em análise, comecemos com umas questões básicas:
- O actual sistema implementado em Portugal é funcional?
- Os cidadãos confiam na Justiça e nos seus resultados práticos?
- As polícias e outros sujeitos processuais consideram suficientes os
actuais recursos processuais existentes?
Entre estas, muitas outras
questões poderiam ser colocadas, sendo que a resposta será sempre negativa. O
sistema actual não atinge os objectivos esperados, a criminalidade continua a
aumentar e o sentimento de insegurança prevalece. O que podemos fazer para
mudar esta tendência? Será o Direito Penal do Inimigo uma alternativa?
Mais do que Juristas e teóricos, devem-nos considerar observadores
atentos da realidade nua e crua, não nos alheando da nossa qualidade de
cidadãos. Apenas depois devemos partir para uma análise teórica, filosófica ou
académica do tema.
Basta que saiamos da nossa confortável cadeira do nosso gabinete, e nos
desloquemos à rua ou ao café mais próximo, para percebermos qual o sentimento
do cidadão comum, ou não conhecedor aprofundado do Direito.
O cidadão não confia no sistema penal actual. Porquê? Bem, as
razões são várias, e poderão ter ou não um fundamento mais assertivo ou mais
fundamentado.
O sentimento de insegurança da população portuguesa é elevadíssimo, as
polícias estão desmotivadas, a própria justiça duvida de si própria. Quem se
aproveita desta realidade são os prevaricadores e delinquentes, que vão
continuando a sua actividade criminosa, e se porventura são intercetados pelos
OPC’s, utilizam os subterfúgios da lei, para se escapulirem a uma condenação.
Analisemos o subtítulo do livro -
“O “Progresso ao Retrocesso””. Por vezes é necessário recuar quando o passo que
demos não foi dado na direção correta. Se persistirmos vamos por um caminho
indesejado, se recuarmos podemos optar por um outro caminho mais seguro.
Devemos assumir os nossos erros e corrigi-los sempre que possível, não é
proibido nem errado mudar de opinião, mas sim inteligente.
O rumo que o Direito Penal seguiu
em Portugal não foi decididamente o mais correto, e isso reflete-se no aumento
da taxa de criminalidade, especialmente nos crimes violentos. Por consequência
desse aumento, e com a massificação dos meios de comunicação social, o cidadão
comum tem noção desta taxa de criminalidade, gerando-lhe insegurança.
Enquanto cidadão minimamente
informado, sei que não nos podemos basear exclusivamente nos Órgãos de
Comunicação Social para qualquer juízo de valor, no entanto devemos ter em
conta esse indicador, vejamos os telejornais ou a imprensa escrita e
deparamo-nos com uma realidade fria e arrepiante.
Os assaltos proliferam, os assaltantes estão cada vez mais perigosos e
com menos escrúpulos. Agridem e matam para furtarem 30 ou 40 euros. As polícias
nada podem fazer, e quando têm a infelicidade de atingirem um destes meliantes,
com um tiro fortuito ou não, são julgados em tribunal como se os bandidos
fossem os Polícias.
No contracto social que firmámos com o Estado, abdicámos de alguns dos
nossos direitos no intuito de obter segurança e paz. Esta paz e segurança é-nos
garantida pelos OPC’s e pela Justiça em geral. Para estes trabalharem
correctamente, é necessária cobertura legal, uma vez que estamos num estado
democrático. No âmbito do Direito Penal, esta cobertura é-lhes dada através do
Direito Penal, Direito Processual Penal e Constituição da República Portuguesa.
Mas sobretudo, é necessária uma compreensão geral da sociedade sobre a sua
actividade.
Quando o autor refere que o
delinquente não deve ser considerado um inimigo ou um não-pessoa, nós
discordamos em parte, vejamos qual a nossa teoria.
Teremos, em primeiro lugar, de
dividir todo o processo em duas grandes partes. Uma até ao transito em julgado
da sentença e outra após. Na primeira todos os cidadãos deverão ser tratados de
igual forma, tendo os seus direitos e deveres constitucionalmente consagrados.
Não cairemos no erro de Cesare
Lombroso ou de G. Jakobs,, onde enveredamos por um Direito Penal do autor e não
do facto. Numa segunda fase, após o julgamento devemos ainda separar por
tipos de crime, não devemos considerar alguém que furta uma carteira, igual a
alguém que viola e estripa várias crianças. A sociedade não vê estes dois
delinquentes da mesma forma, e o Direito penal também não deve ver.
Nesta segunda fase, concordamos
em parte com Protágoras. Dizemos em parte, uma vez que não concordamos com a
neutralização ou inocuização do individuo. Aqui enveredaremos em parte pela
teoria de Jakobs e do seu discípulo Lesch.
Um individuo que cometa um crime
hediondo ou que seja reincidente, deve perder o status de cidadão. Se ele próprio optou por não seguir as regras da
sociedade, porque razão deverá a sociedade preocupar-se em reintegrá-lo? Não
seguimos a ideia de Rosseau, em que o Estado ou o delinquente terá de morrer,
uma vez que são inimigos. Partilhamos no entanto a ideia de afastar o inimigo definitivamente da sociedade.
Também não perfilhamos na totalidade a ideia de Fitche, em que o delinquente
era considerado “uma cabeça de gado”
e poderia ser perseguido pelo Estado ou por qualquer cidadão e ser preso,
torturado ou morto de forma arbitrária, uma vez que deverá ser sempre
respeitada, minimamente, a dignidade da pessoa humana.
Citamos Hobbes, o qual nos
distingue dois estados: o estado natureza e o estado social. Àqueles que voltam
ao estado natureza deverá ser aplicado um Direito Penal mais musculado.
Assim, e como dissemos
anteriormente, devemos seguir por um caminho distinto. Se por um lado devemos
dar todas as garantias para que se realize um julgamento justo, e que todos os
direitos dos cidadãos sejam cumpridos. Por outro devemos tomar uma atitude
distinta da atual após a sentença ter transitado em julgado.
Centremo-nos, para já no
“pós-julgamento”. O legislador deverá especificar quais os crimes que considera
hediondos, depois de o fazer devemos distinguir quanto à pena a aplicar. Se
alguém pratica um crime não hediondo, então deverá ser dada prevalência à
ressocialização e reintegração do delinquente. Se esse delinquente reincidir, a
pena deverá ser mais pesada mas ainda virada para a ressocialização e
reintegração, se reincidir uma terceira vez, então deverá ser englobado no
catálogo dos crimes hediondos. Se logo desde início praticar um destes crimes
então deverá ser tratado enquanto tal.
Não queremos com isso dizer que
perderá todos os seus direitos, e que perderá a condição de pessoa, no entanto
também não deverá ser tratado como um cidadão normal. A pena que lhe deverá ser
aplicada, deverá ser uma pena que que sirva de exemplo à restante comunidade e
que dissuada eventuais comportamentos idênticos ou semelhantes, no entanto
respeitando sempre os princípios mínimos da dignidade da pessoa humana e do bem
jurídico primordial que é a vida humana.
A título de ilustração, tomemos
como exemplo uma infração ao Código da Estrada (mutatis mutandis). Se o cidadão B souber que ao conduzir um veículo
utilizando simultaneamente o telemóvel, lhe é aplicada uma coima de 15 €,
provavelmente não se inibirá de o fazer, uma vez que sabe que caso seja
autuado, poderá facilmente suportar o pagamento da coima. Se pelo contrário, a
lei a aplicar seja de uma coima elevada, em que está associada uma sanção
acessória de inibição de conduzir efetiva, e perda do telemóvel a favor do
estado, provavelmente terá mais relutância em o utilizar… O mesmo exemplo
servirá para um proprietário de uma frota de camiões de transporte de inertes.
Se ao circular com os seus veículos em excesso de carga, lhe for aplicada uma
coima de 500€, ele provavelmente arriscará uma vez que lhe compensa a infração
caso eventualmente venha a ser detetado. Pelo contrário se a coima foi
elevadíssima, e se ficar privado temporária ou definitivamente do uso do
veículo, com certeza não arriscará…
O mesmo se passaria no Direito
Penal. Se um delinquente souber à partida que caso cometa um crime de homicídio
qualificado em dez pessoas simultaneamente, de uma forma bárbara e sem respeito
pela vida humana, lhe será aplicada uma pena máxima de 25 anos de prisão, e que
dificilmente cumprirá essa pena na totalidade, poderá ter a tentação de o fazer
caso tenha necessidade. Se, pelo contrário, souber que a pena que lhe poderá
ser aplicada seja uma pena perpétua, provavelmente não o fará. Imaginem-se
outros crimes, como é o caso de violação de menores, ou outros… A sociedade não
pretende ressocializar estes indivíduos, a própria população criminal rejeita
estes delinquentes.
Temos obrigação de os punir
severamente, e não de os ressocializar. Quem optou por se afastar da sociedade
foram os praticantes destes crimes, e não as vítimas ou a restante sociedade.
Sim porque nos esquecemos muitas
vezes das vítimas . . .
Quanto ao delinquente em si, não o devemos ver como não pessoa ou como
objecto ou coisa. No entanto também não poderão ser visto como cidadãos normais
depois de repetidamente mostrarem que não querem cumprir as regras impostas
pela sociedade. Se eu, enquanto jogador, não cumprir as regras num jogo de
futebol, serei expulso do jogo. Se num jogo online ou numa comunidade tipo
facebook ou hi5, não cumprir as regras impostas, serei expulso da mesma, se num
hotel não respeitar os restantes clientes, serei expulso do mesmo, … Muitos
outros exemplos se poderia dar acerca destas consequências em que ocorro caso
não cumpra as regras que me são impostas antecipadamente.
Poderemos fazer o mesmo na sociedade relativamente a cidadãos que não
cumprem as regras impostas? Obviamente que não, não os podemos expulsar do
mundo, no entanto também não poderemos tolerar que continuem a infringir, caso
contrário corremos o risco de perder o controlo, quando os restantes o imitarem.
Somos assim obrigados a encontrar mecanismos alternativos à expulsão, e
considero que existem valores fundamentais que não deveremos perder. A
dignidade da pessoa humana, o Princípio da Legalidade, e o direito a um
julgamento justo e imparcial.
Alguém que é “apanhado” pelas
malhas da justiça a prevaricar tem de continuar a ser visto como pessoa e tem
de ter direito a um julgamento sério e justo.
Após ter sido condenado em julgamento, não deverá ter o mesmo tratamento
de qualquer outro cidadão que cumpre as normas impostas. O infractor deverá
sentir que errou, e corrigir a sua maneira de estar perante os outros e perante
a sociedade. Aqui o valor “dignidade da pessoa humana” atinge outro patamar.
Este prevaricador não deverá ser sujeito a penas adversas a essa qualidade,
como algumas relatadas no livro em referência, no entanto também não deverá
deixar de sentir que errou e que tem de mudar.
Quando foram esgotadas estas tentativas e este individuo continua a
prevaricar reincidindo na sua actividade criminosa, então as medidas deverão
ser endurecidas.
Não devemos de ter receio de afirmar perante o mundo, que não queremos criminosos a sociabilizar connosco.
Eu quero estar seguro na minha vida pessoal, e não ter de me preocupar se sou
assaltado, roubado, agredido ou assassinado. E se o for, eu tenho de ter a
certeza que esse individuo será punido.
Só assim conseguiremos dissuadir futuros comportamentos criminosos. Se eu
souber que serei severamente punido se entrar num infantário, matar todas as
crianças que ali se encontrarem com requintes de malvadez, violar e torturar as
educadoras, e incendiar o edifício com os corpos no interior, concerteza não
adotarei esse comportamento. Se pelo contrário, houver a possibilidade de ser
condenado a uma pena “suportável”, poderei ter essa tendência. Alguém que
pratica um crime destes, deverá ter uma pena exemplar e não ser apenas
condenado a um máximo de 25 anos de prisão, com a possibilidade de redução da
pena e de sair em liberdade condicional alguns anos depois de ter entrado no
estabelecimento prisional. Como se sentirá o pai de uma destas crianças? Não
quererá fazer justiça pelas suas próprias mãos? E é esta justiça popular que
devemos a todo o custo evitar. Devemos considerar este individuo como um
cidadão comum? Como uma pessoa normal?
Se tratarmos estes indivíduos como inimigos da sociedade, estamos
errados? Julgo que não, são efectivamente inimigos da sociedade e deverão ser encarcerados
por longos anos, depois de serem condenados. Havendo a suspeita fundamentada
que um determinado individuo se encontra a realizar actos preparatórios para
executar esta série de crimes, não deverá o Estado intervir no sentido de o
evitar? Mesmo sacrificando alguns direitos e liberdades? Sim deverá fazê-lo, e
não esperar por uma actuação proactiva.
Devemo-nos deixar de considerar o delinquente como alguém que deve ser
retirado da sociedade, ser reeducado e voltado a ser inserido. Concordo que se
deve tentar na maior parte dos crimes e na primeira vez, agora em crimes
chamados de hediondos ou em caso de reincidência grave, este individuo deverá
ser considerado perigoso para a sociedade e tratado enquanto tal. Não devemos
ter receio de o afirmar em viva voz, mesmo que seja politicamente incorrecto.
Para fazer esta viragem no nosso sistema jurídico temos de ter coragem de
enfrentar políticos nacionais e estrangeiros, alguns sectores da sociedade que
se travam em lutas de defesa dos criminosos, no entanto que vivem em condomínio
fechados, guardados 24 horas por dia, circulam de motorista e têm os filhos em
colegas privados. Eu como qualquer grande parte dos cidadãos, circulo de
transportes públicos, e não pretendo ser esfaqueado por 20 ou 30 euros, eu
quero SEGURANÇA.
Alguém que me explique porque não podemos ter uma câmara devidamente
legalizada a apontar para um bairro problemático… Se é ali que reside a violência,
se é ali que estão criminosos, se é ali que se reúnem para cometer crimes,
porque não?
Alguém que me explique porque é que a polícia não pode entrar numa
residência, às 3 horas da madrugada, se ali se está a traficar droga…
Alguém que me explique porque devemos continuar a tratar como pessoas
“normais”, delinquentes reincidentes, autores de crimes bárbaros, ou que fazem
dessa prática o seu modo de vida.
Deveremos considera-los inimigos
da sociedade? Sim, porque não???